Em 2017, o escritor Ricardo Lísias publicou, sob o pseudônimo de Eduardo Cunha, o livro Diário da Cadeia, pela Editora Record. Na época, o ex-presidente da Câmara dos Deputados estava preso preventivamente, acusado de exigir e receber 5 milhões de dólares (R$ 30 milhões) em propina em contratos de construção de navios-sonda da Petrobras. O ex-parlamentar entrou na Justiça pedindo o recolhimento do livro, sob o argumento de que o título e a assinatura levariam o público ao erro, ao dar a impressão de que ele seria o verdadeiro autor da obra.
Em 2020, Cunha venceu em primeira instância, mas a decisão foi revista pelos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que entenderam se tratar de uma criação artística; portanto, não podendo ser censurada.
Essa história ganha um novo capítulo nesta quinta-feira (16), quando o ministro Alexandre de Moraes decidiu reformar a decisão de primeira instância e determinar o recolhimento do livro e a retirada, do site da editora, de qualquer ligação ao nome do ex-deputado, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A Record deverá ainda dar direito de resposta a Cunha em sua página na internet e os réus (o autor, a editora Record e diretor editorial do Grupo Record na época, Carlos Andreazza) devem pagar indenização de R$ 30 mil a Cunha.
– O fato de o autor ser pessoa pública e possuir o ônus de ser alvo de notícias da imprensa e opiniões alheias não autoriza o exercício abusivo do referido direito à liberdade de expressão – diz um trecho da decisão de Alexandre de Moraes, que argumenta que há uma colisão entre o direito à liberdade de expressão, por parte de Lísias, e o direito à honra, imagem e nome, por parte de Cunha.
Os dois direitos são garantidos pela Constituição Federal, mas o magistrado ponderou que não há direito fundamental absoluto e que cabe ao Judiciário analisar cada caso para determinar se houve abuso no exercício da liberdade de expressão.
O Estadão conversou com Lísias, que disse que ainda está tentando entender a questão jurídica envolvendo o seu nome.
– Em primeiro lugar, eu acho que é um ato de censura. A forma como o livro está assinado, fica claro que se trata de um trabalho artístico – argumentou o escritor.
Para Lísias, Alexandre de Moraes confunde liberdade de expressão com liberdade de criação.
– O artista não pode sofrer censura – disse o escritor.
Lísias faz uma análise preliminar da decisão.
– Como foi uma decisão muito rápida, muito sumária e despida de argumentação, talvez [o magistrado] esteja confundindo com fake news, coisa que não tem nada que ver. Ele está passando a régua em oito anos de argumentação – disse ao jornal.
Lísias adiantou que ainda não constituiu advogado para o caso, mas deve recorrer. E que fará alguma coisa artística a partir disso. Só não sabe ainda o quê.
O livro está esgotado na editora, o que torna a decisão de recolhimento inócua. Ele ainda pode ser encontrado na Amazon, mas por que está sendo vendido por sebos.
O Estadão procurou a Editora Record, que ainda não se pronunciou sobre o caso. O jornalista Carlos Andreazza, também colunista do Estadão, não vai comentar.
*AE
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